terça-feira, 30 de outubro de 2007


Preâmbulo

TRANSFORMA_B é uma plataforma de encontro entre as artes, a criatividade e a cidade, celebrada enquanto espaço de confluências. Um espaço experiencial de eleição, qual corpo por localizar, por identificar, por preencher, continente (de relações, vivências, emoções, lembranças) em constante devir. Um espaço ainda e sempre por ensaiar… como o mundo!
É um evento que escapa à definição convencional de festival ou de exposição, na medida em que se situa precisamente no cruzamento dessas duas abordagens e na tentativa de estabelecer um forte diálogo com a cidade, aqui encarada quer enquanto palco e cenário para acolhimento dos diversos projectos, quer ainda como ‘conceito’ e ‘matéria’ de trabalho para os mesmos. Grande parte do trabalho que será apresentado escapa formalmente às categorizações das diversas disciplinas artísticas, foi comissionado propositadamente para este evento e teve desenvolvimento local a partir de residências de pesquisa e de criação, é em diversas situações informado por interesses estéticos e por preocupações marcadamente relacionados com o social e com o político, e explora modos de apresentação diversificados com o intuito de provocar e de alargar a percepção do observador sobre a arte e a cidade.
Esta primeira plataforma TRANSFORMA_B explora a relação das artes com os diversos ‘territórios’ da cidade, identificando-os, equacionando o papel catalizador das artes e da criatividade na sua reconfiguração e debatendo processos interactivos de enunciação e de troca. Propaga-se por quatro áreas de actividade - Pensamento, Criação, Edição e Diálogo/Envolvimento -, promovendo um cruzamento desejavelmente rico e diversificado de perspectivas de forte teor crítico e criativo sobre a arte e a reconfiguração do espaço urbano e sobre as problemáticas associadas ao seu desenvolvimento na contemporaneidade (políticas, económicas e sociais). Decorrerá entre Outubro e Novembro de 2007, com o intuito estratégico de Investigar, de Experimentar e de Promover formas sustentadas de actuação sobre o espaço real-social da cidade, e de a impulsionar, fazendo recurso dos processos criativos como ferramenta de eleição. Porquê? Porque as artes e a criatividade são a “…mais global experiência do mundo. Porque são, simultaneamente, experiência de si e experiência do outro” 1.
É a primeira plataforma desta escala organizada no contexto do novo programa artístico desenvolvido pela Transforma AC, sobretudo centrado na pesquisa e no reforço do seu papel de facilitador e de associador face à particularidade do contexto social (cultural, político e económico) em que se inscreve e do meio artístico com o qual opera, tentando promover a inclusão de mecanismos promotores do acesso e o desenvolvimento de formas de relacionamento efectivas entre os diversos intervenientes, e a criação de espaços de encontro (versáteis e legitimadores) que suportem a aquisição de conhecimentos, a troca e a construção de novas experiências artísticas assim como a investigação e a criação centrados na pessoa e no compromisso de um diálogo com a especificidade do lugar.
É precisamente a partir da importância que a problemática da especificidade obteve no âmbito do trabalho anteriormente desenvolvido pela Transforma AC, o qual, aliás, ocupa uma posição de grande importância nas práticas artísticas contemporâneas, que se sentiu ser necessário prosseguir esta pesquisa, centrada numa atenção muito particular ao princípio de participação e ao conceito de lugar (por contraste com a instituição do global), e criaram uma pertinência acrescida para um projecto desta natureza.

“(...) It is perhaps no surprise, then, that the efforts to retrieve lost differences, or to curtail their waning, become heavily invested in reconnecting to uniqueness of place – or more precisely, in establishing authenticity of meaning, memory, histories, and identities as a differential function of places.”

Miwon Kwon (2002:157, One place After Another) 2

É precisamente o emergir da importância diferencial dos lugares (de que nos fala Kwon) – que as primeiras manifestações site-specific (as obras site-specific minimalistas dos anos sessenta do século passado) souberam equacionar e estruturar (com base na trilogia obra, observador e lugar) – que, associado ao advento da globalização, fez progredir a discussão da necessidade de instaurar uma dinâmica paralela e reactiva face à tendência para a homogeneização. Esta nova dinâmica está fundamentada em processos de negociação, que têm por premissa contribuir para recuperar as diferenças e as peculiaridades desaparecidas, e, deste modo, reverter para o reforço da unicidade dos lugares (estruturados ainda com base na mesma trilogia), embora se tenham redefinido e expandido cada um dos conceitos e, com isso, se tenham alargado e diversificado enormemente os seus campos de influência recíproca e o resultado dos mesmos. Neste quadro, os lugares adquirem actualmente uma complexidade que já não cabe nas explicações da site-specificity. O lugar há muito que deixou de ser um espaço geométrico com uma localização fixa e inflexível, e contemporaneamente incorpora todo um conjunto de significações que derivam do facto de ele ser socialmente produzido (Henri Lefebvre), isto é, de ser definido como uma situação participada (hibridizada) por um largo espectro de saberes 3, associados à sua economicidade, à sua importância política/estratégica.
O lugar, enquanto situação ou contexto específico, apresenta-se assim como um novo paradigma, uma nova armadura que suporta uma prática artística e cultural aberta e dinâmica, apoiada numa nova linguagem (a do acesso), em possibilidades renovadas de comunicação e em estruturas organizativas e de programação reconfiguradas e capazes de lançar novas pontes no sentido da instauração de um vasto conjunto de dinâmicas relacionais e institucionais – ao nível da economia, da sociedade, da cultura e da política, em torno de questões tão determinantes para a afirmação da actividade artística quanto os mecanismos de produção, de distribuição, de validação e de participação no sistema da arte.
Mas de que modo é que uma abordagem contemporânea a estes conceitos – social, especificidade, acesso, participação e lugar - afecta as práticas artísticas, quer ao nível da criação e da produção, quer ainda ao nível da programação e da circulação? Poderão estas abordagens / obras facilitar o acesso dos públicos e das organizações às práticas artísticas contemporâneas? Em que circunstâncias? E com que benefícios para uns e para outros? Poderão esses benefícios ser transformados em mais-valias (experienciais, económicas, competitivas) para a reconfiguração e para a afirmação de um determinado contexto ou de uma cidade? De que modo? E como poderão os diversos agentes artísticos criar programas que fomentem esta interacção e o acesso sem privilegiar o social e o económico sobre o artístico (como refere Claire Doherty, 2004 4)?
Estas questões e os conceitos que acabámos de enunciar são o objecto central desta plataforma TRANSFORMA_B, e dão origem / propõem uma configuração distinta a este evento. Assim, esta plataforma assume a especificidade vivencial que é construída a partir da ligação a “(…) circunstâncias e a situações, a narrativas históricas e a agendas sociais e políticas (…)” (Doherty, 2004 5), e a localização 6 únicas desta cidade como matéria principal. Uma especificidade vivencial que se afirma, de forma inequívoca, como uma contemporânea reacção face às “tendências universalizantes do modernismo” (Kwon), na medida em que se pressente que a afirmação diferenciada de “(…) um novo espaço não pode nascer (ser produzida) a menos que acentue as suas diferenças (…)” 7.
São matérias por discutir e que nos sugerem também a necessidade de instaurar diversas outras experiências – relacionais (sensoriais / intelectuais) -, na tentativa de identificar clara e inequivocamente este outro lugar.
Pelo TRANSFORMA_B passarão personalidades dos mais diversos quadrantes, (das artes, das letras, das ciências sociais, da economia), jovens em início de carreira e profissionais afirmados, nacionais e internacionais, que irão discutir a arte que toma a cidade como esse outro território por descobrir - humano, social, económico, social, político, cultural. Um território ainda e sempre por ensaiar… como o mundo!

Luís Firmo / Direcção Curatorial


1 Paulo Cunha e Silva; A-experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquanto-experiência-da-arte; in INTUS, Helena Almeida – Representação Portuguesa à 51.ª Bienal de Veneza; Catálogo; org. Isabel Carlos; ed. Livraria Civilização Editora; Lisboa; Portugal; 2005; pp. 8-9.
2 Miwon Kwon; One Place After Another: Site-Specific Art and Locational Identity; MIT Press; Cambridge – Massachussetts, Londres; Inglaterra; 2002.
3 e aqui representadas na figura do observador (ou pessoa participante) que, como nos diz Gabriela Vaz-Pinheiro; Da Especificidade à Transferabilidade, Debatendo Práticas Artísticas Plae-Specific; in ArtinSite; Transforma AC / Torres Vedras, 1 – Memórias e Identidades, Jul 2004; pp. 10 – 27), também já não é meramente considerado “como uma entidade abstracta, mas como um sujeito múltiplo, reflectindo a ideia de multiplicidade na ‘identidade dos lugares’”.
4 Claire Doherty; The Institution is Dead! Long Live the Institution!; in Engage; Londres; Inglaterra; 2004: 07.
5 Claire Doherty; Location; in Art Monthly; 281, Nov.2004; pp.279-282
6 … que emerge como um renovado paradigma da criação artística contemporânea...
7 orientação precisamente contrária à preconizada pela herança modernista, no quadro da qual, refere ainda Kwon citando H. Lefebvre, “(…) o espaço (é entendido como algo) abstracto (e) tende para a homogeneização, para a eliminação das diferenças e das peculiaridades existentes (…)”.


Foreword

TRANSFORMA_B is a meeting platform for arts, creativity and the city, celebrated as a space of confluence. An experiential place of choice, that works as a body which was not located, identified, accomplished yet, a continent (of relations, experiences, emotions, memories) in constant shifting. A space that is still and will always be unrehearsed … as the world!
It is an event that escapes the customary definition of festival or exhibition, since it is situated precisely in the crossing of those two approaches and in the attempt to establish a strong dialogue with the city, here considered both as a stage and stage-setting to welcome the different projects, and also as a work “concept” and “matter” for those same projects. A vast amount of the work that will be presented formally eludes the categorizations of the several artistic disciplines; it was specially commissioned for this event and was developed locally via research and creation residences. In several situations it is informed by aesthetic interests and by concerns deeply related with the social and political, and exploits diversified presentation forms, trying at the same time to provoke and widen the observer’s perception regarding art and the city.
The first TRANSFORMA_B platform explores the relation between arts and the different “territories” of the city, identifying them, analysing the catalyst role of arts and creativity in their reconfiguration, and debating interactive processes of enunciation and exchange. It includes four activity areas – Thought, Creation, Publishing and Dialogue/Implication – promoting a crossing of strong critical and creative perspectives, that one desires to be rich and diversified, concerning art and the reconfiguration of the urban space and also the problems related with its development in contemporaneity (political, economic and social). The event will take place between October and November 2007. Its strategic aim is to Investigate, Experiment and Promote sustained forms of performance regarding the real-social space of the city, and to impel them, using creative processes as tools of choice. Why? Because arts and creativity are the “…most global experience in the world. Because they are, simultaneously, experience in itself and the experience of the other” 1.
This is the first large platform organized in the context of the new artistic program developed by Transforma AC, particularly centred in research and the reinforcement of its facilitating and associative role in view of its social context specificity (cultural, political and economic) and the artistic milieu with which it operates, trying to promote the inclusion of promotional mechanisms of access and the development of actual relationships between the several participants, and the creation of meeting spaces (versatile and legitimizing) that can support the acquiring of knowledge, and the exchange and construction of new artistic experiences, as well as the research and creation centred in the person and in the commitment of a dialogue with the specificity of the place.
It was precisely due to the importance showed by the problematic of specificity under the scope of the work developed previously by Transforma AC, which, furthermore, occupies a position of great importance in contemporary artistic practices, that we felt the need to further this research, focused in a particular attention to the principle of participation and the concept of place (in contrast with the institution of the global), and generate an augmented pertinence for a project of this nature.

“(...) It is perhaps no surprise, then, that the efforts to retrieve lost differences, or to curtail their waning, become heavily invested in reconnecting to uniqueness of place – or more precisely, in establishing authenticity of meaning, memory, histories, and identities as a differential function of places.”
Miwon Kwon (2002:157, One place After Another) 2

It is precisely the emerging of the differential importance of places (that Kwon talks about) – that the first site-specific manifestations (minimalist site-specific works of the 70s) knew how to analyse and structure (based on the trilogy, work, observer and place) – which, associated with the advent of globalization, progressed the discussion regarding the necessity to institute a parallel and reactive dynamic in view of an homogenization tendency. This new dynamic is based on negotiation processes that aim to contribute to the recovery of missing differences and peculiarities, and, therefore, contribute to the reinforcement of the uniqueness of the places (structured using the same trilogy), although each concept has been redefined and expanded, and, consequently, its reciprocal fields and results have also been widened and diversified. Under this context the places presently acquire a complexity that no longer fits in the site-specificity explanations. The place is no longer a geometrical space with a fixed and rigid localization, and now it incorporates an entire set of meanings that derive from the fact it is socially produced (Henri Lefebvre), i.e., it is defined as a situation imparted (hybridized) by a large spectre of knowledge 3, associated with its economic status and political/strategic importance.
The place, as a situation or specific context, presents itself as a new paradigm, a new armour that supports an open and dynamic artistic and cultural practice, based on a new language (the one of access), on renewed communication possibilities, and also organizational and programming structures capable of building new bridges in order to create a vast set of relational and institutional dynamics - at the level of economy, society, culture and politics, around questions that are so important for the affirmation of the artistic activity regarding production, distribution, validation and participation mechanisms in the art system.
In what way does a contemporary approach to these concepts – social, specificity, access, participation and place – influence the artistic practices, both at the level of creation and production, and also at the level of programming and circulation? Can these approaches / works facilitate the access of audiences and organizations to contemporary artistic practices? Under which circumstances? And what benefits can audiences and organizations expect to get? Can these benefits be transformed in surplus value (experiential, economic, competitive) for the reconfiguration and the affirmation of a certain context or a city? In what way? And how can the several artistic agents create programmes that stimulate this interaction and the access without favouring the social and economic over the artistic (as stated by Claire Doherty, 2004 4)?
The questions and concepts that we have just enunciated are the central object of the TRANSFORMA_B platform, and give origin / propose a distinct configuration to this event. Therefore, this platform assumes the experiential specificity that is built on the connection to “(…) circumstances and situations, historical narratives and political and social agendas (…)” (Doherty, 2004 5), and the unique localization 6 of this city as the main matter. An experiential specificity that is asserted, in an unequivocal way, as a contemporary reaction to the “universalizing tendencies of modernism” (Kwon), insofar as one can sense that the differentiated affirmation of “(…) a new space may not be created (be produced) unless its differences are accentuated (…)” 7.
These are topics that have not been discussed and that suggest the necessity to establish several other experiences – relational (sensorial / intellectual) -, in an attempt to identify clearly and unequivocally that other place.
Personalities from several different areas will participate in TRANSFORMA_B, (art, literature, social sciences, and economy), also young people starting their careers and professionals with a long career, national and international, that will discuss the art that takes the city as that other territory still to be discovered - human, social, economic, social, political, cultural. A territory that is still and will always be unrehearsed … as the world!

Luís Firmo / Curatorial Direction


1 Paulo Cunha e Silva; A-experiência-do-corpo-enquanto-experiência-do-mundo-enquanto-experiência-da-arte; in INTUS, Helena Almeida – Representação Portuguesa à 51.ª Bienal de Veneza; Catálogo; org. Isabel Carlos; ed. Livraria Civilização Editora; Lisboa; Portugal; 2005; pages. 8-9.
2 Miwon Kwon; One Place After Another: Site-Specific Art and Locational Identity; MIT Press; Cambridge – Massachussetts, London; England; 2002.
3 and represented here by the figure of the observer (or participating person) that, as Gabriela Vaz-Pinheiro states; Da Especificidade à Transferabilidade, Debatendo Práticas Artísticas Plae-Specific; in ArtinSite; Transforma AC / Torres Vedras, 1 – Memórias e Identidades, Jul 2004; pages. 10 – 27), is no longer considered merely “as na abstract identity, but as a multiple subject, reflectinf the idea of multiplicity in the ‘identity of places”.
4 Claire Doherty; The Institution is Dead! Long Live the Institution!; in Engage; London; England; 2004: 07.
5 Claire Doherty; Location; in Art Monthly; 281, Nov.2004; pages.279-282
6 … that emerges as a renewed paradigm of contemporary artistic creation...
7 an orientation that is precisely contrary to the one preconised by the modernist heritage, in the framing of which, Kwon still refers by quoting H. Lefebvre that, “(…) the space (is understood as something that) is abstract (and) tends to homogeneization, the erasing of existing differences and peculiarities (…)”.


Ficha Técnica Credits
Direcção Curatorial Curatorial Direction Luís Firmo
Direcção Executiva Managing Direction Tiago Miranda
Direcção Produção Production Direction Henrique Figueiredo
Direcção Técnica Technical Direction Jorge Borges
Produção Production Ricardo Vitorino
Assistência Produção Production Assistant Rita Sousa
Assistência Editorial Editorial Assistant Sandra Costa
Assistência Direcção Direction Assistant Judite Barreira
Apoio Support Catarina Sousa + Banco Voluntariado Torres Vedras

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